31 de outubro de 2008

Entrevista ao arqueólogo António Valera

“A Arqueologia é uma disciplina científica que procura conhecer o passado humano através dos seus vestígios materiais”

Desde há 21 anos que António Valera se dedica ao estudo da história arqueológica em Fornos de Algodres. Um concelho pequeno mas com uma história riquíssima que remonta há sete mil anos atrás, e ele é testemunho disso. O gosto que sempre teve pela história e pelo campo levou-o a seguir o sonho.

Notícias de Fornos de Algodres: Quem é António Valera?
António Valera: Uma pessoa que foi aprendendo a gostar da Arqueologia, de conhecer e de pensar o conhecimento. Também gosta muito de Fornos de Algodres, do Sporting e de comer e beber.

N.F.A: O que o levou a escolher esta profissão?
A.V: Desde sempre o interesse pela história e pelo contacto com o campo. Depois de começar o vício tomou conta de mim.

N.F.A: O que o motiva a ser arqueólogo?
A.V: O prazer que isso me proporciona e a relevância social que reconheço nessa actividade.

N.F.A: Como é que define a arqueologia?
A.V: É uma disciplina científica que procura conhecer o passado humano através dos seus vestígios materiais. Está hoje profundamente articulada com outras ciências, tanto físicas e naturais (no domínio dos estudos arqueométricos – datações, estudos de matérias-primas, de técnicas de produção, estudos de restos orgânicos, etc.) como sociais (Antropologia, Sociologia, Filosofia). O seu contributo para o diálogo entre presente e passado e para a construção de identidades colectivas e individuais é central. Está progressivamente mais ligada às indústrias culturais, através da exploração turística do interesse suscitado pelos vestígios arqueológicos junto do grande público.

N.F.A: Quais as vantagens e desvantagens de ser arqueólogo?
A.V: Bom, as vantagens são fazer o que se gosta, poder participar na aventura da construção de conhecimento, as emoções do contacto com as materialidades que nos chegam do passado, o prazer que a divulgação desse trabalho proporciona, o circular por várias regiões. As desvantagens são a retribuição finaceira (que é comparativamente baixa), os momentos de frustração e desânimo perante uma sociedade ainda pouco motivada e formada para valorizar a “produção arqueológica” (material ou intelectual) e o cansaço que alguns “combates” (sem fim à vista) originam.

N.F.A: Quais são as possíveis áreas de intervenção de um arqueólogo?
A.V: Muitas. No ensino, na investigação, na divulgação patrimonial (logo na área do turismo cultural e científico), no ordenamento do território (inventariação, prevenção, gestão de património), no reforço das relações identitárias com o território, na minimização de impactes, trabalhando em instituições de ensino, museus, autarquias, empresas, serviços da administração central e, naturalmente, sendo cidadão em plenitude, isto é, tendo uma intervenção cívica activa.

N.F.A: O que é que é necessário fazer antes de começar a exploração de determinado local?
A.V: Antes de mais, ter uma boa razão para o fazer, a qual pode ser de natureza científica (um projecto de investigação de uma determinada temática), ou patrimonial (por exemplo, minimizar o impacte de uma obra ou pretender valorizar patrimonialmente um sítio). Depois, e partindo do princípio que se é dententor das habilitações exigidas por lei, elaborar um projecto de intervenção e fazer um pedido de trabalhos arqueológicos à tutela (Ministério da Cultura). Só com essa autorização, que é conferida caso a caso, se pode intervir em qualquer contexto arqueológico.

N.F.A: Existe arte na arqueologia?
A.V: Claro que sim. Toda a actividade científia é também arte. Stefen Jay Gold, um ilustre paleontólogo custumava dizer que os cientístas se comportam frequentemente como artistas, quer através da emoção e sensibilidade que põem no seu trabalho, quer através da criatividade com que o executam. O acto científico é um acto criativo, feito por homens para os homens e comporta nele intuição, criatividade e até alguma poesia. Tem, pois, muito de arte. Mas se entendermos o termo arte numa perspectiva mais restrita, mais de procedimento técnico, então também a Arqueologia é uma arte no sentido em que tem processos metodológicos próprios, como qualquer outra ciência

N.F.A: Qual é a actual situação da arqueologia em Portugal?
A.V: Vive dias dramáticos. Os problemas gerais que afectam Portugal e o mundo em geral, reflectem-se primeiro e com maior impacto em actividades frequentemente (mal) consideradas menos essenciais. A cultura é uma dessas áreas e, dentro dela, a Arqueologia. O desinvestimento público no estudo e preservação do património arqueológico é uma evidência e a crise económica retrai os apoios privados. Depois de um progresso assinalável neste capítulo, Portugal dá sinais de não ter uma política para o seu património em geral e arqueológico em particular.

“A investigação em Fornos de Algodres é um “case study” reconhecido por muitos investigadores”

N.F.A: Que ligação tem a Fornos de Algodres?
A.V: Ia passar férias a Figueiró da Graja, em casa de pessoas amigas da minha mãe, quando era garoto (entre os 5 e os 13 anos). Depois, como comecei a trabalhar em arqueologia na Beira Alta, voltei e dedico-me à arqueologia em Fornos de Algodres desde 1987, há 21 anos portanto.

N.F.A: Como avalia o trabalho realizado em Fornos de Algodres, pela autarquia e outras entidades, em defesa, estudo e divulgação do património histórico e arqueológico?
A.V:É um trabalho meritório e que foi pioneiro na região em muitos capítulos. Naturalmente que, dadas as limitações que o próprio concelho apresenta, sempre houve dificuldades, só superadas com empenho e dedicação. Mas essas dificuldades só valorizam o que foi feito nestas duas décadas. Agora é preciso perceber que o que foi feito também trás mais responsabilidades ao presente e ao futuro. Há muito trabalho a fazer no que respeita ao património arqueologico em Fornos, quer junto do dito (por exemplo em termos de manutenção) quer sobretudo junto das pessoas (com particular relevância junto das mais novas).

N.F.A: Quando foram feitas as primeiras intervenções arqueológicas no concelho e onde?
A.V: Como disse, comecei em 1987 com prospecções e em 1988 com o início da escavação do Castro de Santiago (durante oito campanhas anuais), a que se seguiram muitos outros sítios ao longo dos tais vinte anos (Fraga da Pena, Malhada, Quinta da Assentada, Quinta das Rosas, Provilgas, Torre, para além da permanente realização de prospecções e identificação de novos sítios)

N.F.A: Faça um enquadramento da situação arqueológica em Fornos.
A.V: É um concelho pequeno, mas com grande riqueza arqueológica, representativa de diferentes períodos da história da ocupação humana deste espaço. Os vestígios recuam ao início do Período Neolítico, há 7000 anos atrás, nas Quintas da Assentada e Rosas, tem dois monumentos megalíticos, tem povoados e um sítio cerimonial (Fraga da Pena) das Idades do Cobre e Bronze. Tem ainda inúmeros vestígios romanos, desde povoações a troços de estradas, tem necrópoles e templos medievais, e tem tudo isto numa paisagem que ainda preserva alguns dos seus traços antigos que ajudam a perceber este povoamento ao longo do tempo.
O roteiro que existe permite dar conta de uma parte muito significativa deste património, mas há sempre mais a contar e a ver.

N.F.A: Pode fazer uma descrição do espólio arqueológico que se encontra no CHIAFA?
A.V: No CIHAFA está uma exposição permanente que documenta em pormenor os principais sítios Pré-Históricos e o período de vida deste território desde há 7000 anos até há cerca de 3000 (4000 mil anos de história, portanto). Apresenta ainda alguns dos vestígios do período romano e da Idade Média existentes no concelho, mas de forma menos desenvolvida. Nos depósitos do CIHAFA estão guardados todos os materiais arqueológicos provenientes das modernas escavações no concelho.

N.F.A: Está a trabalhar nalgum projecto actualmente?
A.V: A última escavação, na Quinta das Rosas em Maceira, está interrompida e pretendo voltar a retomá-la e terminar a intervenção neste sítio pré e proto-histórico. Tenho apresentado em diversos congressos, em Portugal e no estrangeiro, os resultados da investigação em Fornos de Algodres. É um “case study” reconhecido por muitos investigadores.

N.F.A: Projectos futuros (a nível arqueológico) para Fornos de Algodres existem?
A.V: Gostaria de conseguir imprimir uma profundidade e continuidade de investigação para o período romano semelhante à que foi conseguida para a Pré-História, o que passa por encontrar um jovem investigador deste período competente e interessado (pois a minha especialidade é Pré-História).
Por outro lado, seria importante expôr no CIHAFA os resultados das escavações em Algodres, dar outra dinâmica ao roteiro arqueológico e a actividades culturais que envolvam o património arqueológico concelhio e à necessária política de manutenção dos sítios visitáveis.

PERFIL
António Carlos Valera nasceu em Londres a 25 de Agosto de 1962 e licenciou-se em História e História variante arqueologia em 1990. Tirou o mestrado em Pré-História e Arqueologia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), onde se doutorou em Arqueologia.
Além de estar ligado a um conjunto de associações na área do património arqueológico, é também responsável pelo Núcleo de Investigação em Arqueologia (NIA). Na mesma instituição já foi responsável pelo Departamento Técnico entre 2002 e 2006. Hoje, é igualmente director do gabinete de arqueologia e do Centro Histórico de Interpretação Arqueológica de Fornos de Algodres (CHIAFA). Tem responsabilidades de direcção de campo desde 1985, em mais de duas dezenas de sítios arqueológicos, alguns dos quais com intervenções durante vários anos.
Publica regularmente, contando já mais de 60 títulos entre livros e artigos em revistas da especialidade. Gosta de ler, praticar desporto e passear, elegendo como livros preferidos, recentemente lidos, Ortega y Gasse na área da filosofia e Herman Hesse na literatura. No estrangeiro tem muitos arqueólogos como referência mas em Portugal cita Jorge Alarcão e Susana Jorge como algumas das suas influências importantes.

3 comentários:

Anónimo disse...

Não será novo de mais para já saber tanto!!!!!!!!!!!

Al Cardoso disse...

Mais uma vez, venho dar os meus agradecimentos a quanto o Dr. Valera tem feito pelo nosso municipio. Enquanto louvo a iniciativa do Noticias em entrevista-lo.
Faco tambem votos, que as "descobertas por ele realizadas sejam cada vez mais entendidas e respeitadas pela populacao em geral.

Um abraco dalgodrense.

Anónimo disse...

Parabens ao Dr. Valera e o meu muito obrigado por se interessar pela terra da minha familia, eu como futuro arqueologo e estudante da FLUL orgulho-me do seu interesse e da sua dedicaçao.


parabens e obrigado mais uma vez