19 de agosto de 2008

Entrevista à dupla personalidade de Amélia Pais: professora e escritora

«Sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura»


Amélia Pais dedicou 36 anos da sua vida à formação de jovens e hoje, com 64 anos de idade, ainda se dedica ao estudo da literatura portuguesa.


Notícias de Fornos de Algodres – Quem é Amélia Pais em poucas palavras?
Amélia Pais – Bem, sou pequena (1,45 m de altura), mas, como Alberto Caeiro, digo que «sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura». Gostei de ser professora, de fazer amigos e de ter escrito alguns livros.

N.F.A. – Em que ano começou a leccionar? E em que ano terminou?
A.P. – Comecei em 1966 e terminei, creio, em 2004.

N.F.A. - Como educadora atravessou tempo difíceis. Isto porque depois da imprensa, foi nas salas de aula que a ditadura de Salazar mais exerceu a sua tirania. Como foi atravessar esse período?
A.P. - Foi complicado exprimir as minhas convicções de liberdade, mas fui capaz de o fazer de modo creio que subtil. Nunca menti aos meus alunos.

N.F.A. - Profissionalmente, você passou quase uma vida dentro de salas de aula a contribuir na formação de gerações. Acha que valeu a pena? Porquê?
A.P. - Quem me confirma que valeu a pena são os meus antigos alunos, que assim o dizem… Eu não poderia ter sido outra coisa até porque fui feliz como professora. Creio que ajudei muitos a crescer como cidadãos livres e responsáveis.

N.F.A - Há algum episódio especial que tenha acontecido nas salas de aula durante os anos que leccionou?
A.P. – Houve muitos, mas é-me difícil seleccionar.

N.F.A. – Que lembranças guarda da escola? Contribuiu para se tornar escritora?
A.P.- Boas lembranças. Os meus livros decorreram da minha experiência como professora e devo-os também aos meus alunos.

“Vale a pena para quem escreve e talvez para quem leia”


N.F.A. – Como é que se tornou escritora?
A.P. - A resposta vem na sequência do que disse anteriormente. Eu tinha vontade de divulgar a literatura portuguesa alargando assim a minha experiência como professora. Ainda hoje o faço, nomeadamente através do meu blogue e de uma newsletter diária de poesia de todos os países e tempos que envio a mais de uma centena de pessoas.

N.F.A. – Como é que foi o início de Amélia Pais na literatura?
A.P. - Tive um grande professor no liceu de Viseu, o Dr. Luís Simões Gomes, já falecido. Esse foi o arranque essencial. Com ele aprendi muito e, sobretudo, a ser gente capaz de pensar.

N.F.A. – Para que serve um escritor?
A.P. - Quando algum aluno me fazia essa pergunta eu costumava responder: olha, para que serve o pôr-do-sol? E uma flor?

N.F.A. - Vale a pena ser escritor em Portugal?
A.P. - Vale a pena para quem escreve e talvez para quem leia.

N.F.A. – Que obras já escreveu?
A.P. – Vamos ver se me lembro. Sobre Camões escrevi, Para compreender os Lusíadas; edição escolar anotada, de Os Lusíadas; Eu cantarei de amor (poesia lírica); Ensinar Os Lusíadas e Os Lusíadas em prosa (adaptação juvenil). Sobre Gil Vicente escrevi Auto da Barca do Inferno, edição escolar anotada e sobre Fernando Pessoa escrevi Para Compreender Fernando Pessoa; Fernando Pessoa, O menino de Sua Mãe, este último para crianças. Escrevi ainda história da Literatura em Portugal, num total de três volumes que vão desde a Idade Média até 1950 e vários manuais escolares para o ensino secundário.
Recentemente, e que vai estar nas bancas já em Setembro, escrevi Padre António Vieira, o Imperador da Língua Português. Este livro é sobretudo para os jovens.

N.F.A. - Porque é que optou sempre por uma via mais ensaística e de incidência didáctica?
A.P. – Gostei muito de ser professora e de divulgar os escritores que amo. Não faço escrita criativa…Nem todos somos capazes disso. E muito menos obrigados a fazer. Como Jorge Luís Borges: «Orgulho-me mais dos livros que tenho lido do que daqueles que escrevi».

N.F.A. - O que é que há em Camões que a tenha levado a escrever tanto sobre ele?
A.P. - Há tudo. É somente o melhor escritor do meu, do seu tempo e de todos os tempos. Mantém-se no essencial actualíssimo, no apelo ao sair da «austera, apagada e vil tristeza», tal como na intensidade e qualidade da sua poesia lírica.

N.F.A. - Nunca pensou escrever outro tipo de obras? Por exemplo romances, memórias etc.
A.P. - Não sou dada à escrita criativa. Escrevi uma vintena de poemas e dois ou três contos sem relevância. Não sou poeta, mas gosto de ler poesia.

N.F.A. - Não quer falar um pouco do seu novo livro "Padre António Vieira, O Imperador da Língua"?
A.P. - É um livro que surge na sequência dos anteriores Os Lusíadas em Prosa e Fernando Pessoa, O menino da sua mãe. Trata-se de tornar «gostáveis» aos mais novos esses autores difíceis. Qualquer dos livros aparece sob forma de uma primeira parte em que o autor, na primeira pessoa, se «conta» e, depois, de uma segunda parte com selecção de textos do autor. De pequenino procuro que se faça crescer (melhor que torcer) o pepino…E as crianças, que são mesmo o melhor do mundo, merecem também o melhor…

N.F.A. - Existem novos projectos em pausa?
A.P. - De momento, não. A nível pessoal, claro que sim, mas na órbita do privado.

N.F.A. - O mundo é mais feliz hoje ou antigamente?
A.P. - Não faço ideia…Quem poderá dizê-lo? Há tanto horror e miséria por esse mundo fora…Antigamente não se era feliz…E agora também não, em geral.

PERFIL Amélia Pais
Amélia Pinto Pais nasceu a 5 de Outubro de 1943 no concelho de Fornos de Algodres. Mas, um pequeno acidente, regista-lhe a naturalidade como sendo Coimbra, até porque na altura não havia nenhum serviço de maternidade mais próximo. Frequentou a escola primária em Algodres e Matança, o secundário no Liceu Nacional de Viseu, hoje Escola Secundária de Alves Martins. Licenciou-se em Filologia Românica, hoje Estudos Portugueses e Franceses na faculdade de letras da Universidade de Coimbra.
Para quem lê compulsivamente desde criança, é muito difícil seleccionar livros, obras ou autores predilectos. Amélia Pais gosta dos textos de Camões, Fernando Pessoa, Gil Vicente, Padre António Vieira e muitos outros que vai divulgando no seu blogue “Ao longe os barcos de flores” (
http://barcosflores.blogspot.com/). Quando se lhe pede que cite um escritor enumera os anteriores e acrescenta Eça de Queirós e muitos outros, nomeadamente estrangeiros, sendo clássicos ou não.
Admira alguns actores portugueses como Luís Miguel Cintra e Eunice Muñoz, elege Visconti como um dos seus realizadores preferidos e Clint EastWood como actor e realizador predilecto. Gosta de ler, escrever, ir ao cinema, viajar, estar com amigos, e divulgar poesia, “já me chamaram «semeadora de poemas»”. Considera o 25 de Abril de 1974 como o dia da sua maior alegria cívica e deseja viver a sua terceira idade com tranquilidade.
Durante os 36 anos e meio em que leccionou passou por diferentes estabelecimentos de ensino, nomeadamente pelo Liceu Nacional de Aveiro, Liceu Rainha Santa Isabel, no Porto; Liceu Nacional de Leiria, hoje Escola Secundária de Francisco Rodrigues Lobo.
Hoje já não lecciona mas continua a desenvolver estudos na área da literatura portuguesa.

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